quinta-feira, 27 de março de 2014

Porque às vezes os gases intestinais salvam vidas

É sempre um momento de alegria e pânico quando colegas de trabalho levam bebés ainda frescos a conhecer o escritório.

Dois ou três meses depois do nascimento é quase matemático. Ovo ou carrinho, sacos e bolsas, uma girafa de peluche, olheiras até ao umbigo e o ar mais feliz do mundo por estar novamente entre adultos (também pode ser histeria nervosa, da privação de sono).

Normalmente os corredores enchem-se de mulheres, tudo debruçado para espreitar a nova vida, num chilrear colorido e agudo, audível do outro lado da estrada.

É um momento de alegria porque estivemos sem nos ver alguns meses. Vamos acompanhando a gravidez (nuns casos com maior proximidade, noutros só a evolução das barrigas e diâmetro dos tornozelos), falando sobre as várias etapas, as ecografias, os testes, as expectativas, e agora, finalmente, ali está o produto de tanta agitação e bacalhau com smarties às três da manhã.

Normalmente são as mães de primeira apanha que correm a partilhar o fruto do seu ventre. Quando são segundos ou terceiros filhos só os conhecemos na festa de Natal da empresa. Ou nas férias da Páscoa, no primeiro ano da escola.

Como não tenho filhos, sou sempre a escolhida para pegar na criança. Insistem que “tenho que treinar”. E é aí que entra o pânico.

A sério? Querem MESMO que seja alguém que tem tanto jeito para pegar em bebés como para dançar o can-can depois de três copos de sangria, que segure na coisa mais preciosa da vossa vida? Mesmo? É que para mim todos os bebés são feitos de sabão. Sinto que, quanto mais os apertar - para garantir que chegam à idade de andar (e com essa capacidade intacta) -, mais eles vão sair disparados contra a grelha do ar condicionado no teto.

Quando me passam a criança, os meus braços avariam automaticamente. Perdem a capacidade de dobrar pelo cotovelo. Fico com duas pás agarradas às omoplatas, tesas e paralelas, e um puto com cara de espanto, pendurado pelos sovacos, lá na ponta.

Garanto sempre que a criança é mantida a uma distância que assegure que: a) não vai bolsar para a minha boca e b) se a deixar cair ainda consigo ganhar alguma distância e acusar outra pessoa.

Enquanto faço de cabide humano, vou choramingando que não sei fazer aquilo e que peloamordedeus alguém a agarre antes que eu me desgrace. Mas por mais que as mães digam que não há maior amor no mundo, parece que secretamente querem que eu as livre daquela responsabilidade. Ocupadas a falar com outras mães de temas tão absorventes como gretas nos mamilos, ignoram os meus apelos cada vez mais desesperados.

É só quando o bebé, exasperado de tanto desconforto axilar, abre a goela ou apresenta argumentos de peso (ao nível dos sólidos), que alguém nos acode.

Temo que da próxima vez que me passarem um recém-nascido para as mãos, me sentirei tentada a soltar discretamente um gás.

Sou uma senhora, mas não funciono bem com este tipo de pressão.


8 comentários:

  1. Não trabalhas aqui no meu tasco? Neste momento pelo canto do olho vejo uma equipa inteira de roda da chefe que acabou de informar a equipa que está grávida pela primeira vez. Está toda uma histeria instalada. E já sei que em breve as duas colegas que pariram no mês passado vão aparecer aqui com os seus rebentos e vai ser a pura da loucura!

    Na qualidade de gajo, safo-me sempre a estas coisas, mas já aconteceu estar a passar e dizerem "O próximo é o Silent" enquanto me passam o rebento para os braços.

    Não sou como tu. Os meus braços não avariam e até gosto da pirralhada e de pegar neles. E eles até nem desgostam do conforto dos meus braços. Mas ser o pirralho do colega e não o meu faz com que não sinta absolutamente nada de especial.

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  2. Também detesto segurar em bébés, aliás evito tocar em recém-nascidos no geral...

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  3. É por isso que nunca insisti que pegassem na minha filha quando ela era pequena...
    Nem nunca a levei ao escritório, qual passeio da glória para mostrar o rebento.

    Na segurança do lar, isso sim! :)

    Mas é sempre engraçado ver essas carinhas de pânico, e contra mim falo, porque apesar de já ser mãe, faz-me sempre confusão pegar em bebés recem nascidos.. parece que se me vão desfazer nas mãos...

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  4. Só gosto de pegar em recém-nascidos se ainda estiverem ensanguentados. Vejo qual o encanto de o fazer depois de perderem aquele padrão placenta-engodo-para-lobos.

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  5. Eu adoro putos e estou muitas vezes mais à vontade entre eles do que entre adultos. É uma contradição, porque durante a maior parte do meu dia tenho que ser um gajo demasiado formal, mas se eu pudesse era (ainda) mais infantil e só falava em nonsense.

    Ps "Dois ou três meses depois do nascimento é quase matemático. " não é por acaso. Muitas mulheres (neste caso mais do que os homens) gostam de exibir triunfos sobre outras mulheres. Um novo homem nas suas vidas, uma nova peça de roupa, etc ...

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    1. Gostei da perspectiva do PS do Pulha...

      Confirmas ou desmentes, MMS?

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    2. Concordo, parcialmente, porque não a reconheço como uma condição exclusivamente feminina. Todos gostamos, de forma mais ou menos explícita, de exibir os objetos da nossa felicidade. Seja um bebé de bochechas rosadas, uma namorada com tudo no sítio, um automóvel a cheirar a novo ou o último modelo de telemóvel.

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  6. Percebo perfeitamente quando dizes que te metem a criança nas mão para "ver se pega". Acontece-me precisamente o mesmo. Normalmente choram ao meu colo e a experiência não é muito boa. ;)))))

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